Igreja evangélica é condenada por coação moral de fiel
A Igreja Universal do Reino de Deus deve indenizar em R$ 20
mil, por danos morais, fiel portadora de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB).
A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul.
O Tribunal considerou que a mulher foi coagida moralmente a
efetuar doações mediante promessas de graças divinas.
A autora ajuizou ação de indenização contra a igreja sustentando que enfrentava
uma crise conjugal, a qual culminou na sua separação, quando passou a
frequentar os cultos da igreja diariamente.
Disse que estava em tratamento psiquiátrico e havia perdido
seu juízo crítico, oportunidade em que foi ludibriada pelos prepostos da ré.
Afirmou que seu patrimônio foi revertido em doações mediante o uso de coação e
da promessa de que seria curada por Deus.
Narrou que penhorou joias e vendeu bens para contribuir com
o dízimo e as doações espontâneas. Sustentou que hoje vive em situação de
miserabilidade e pleiteou a indenização pelo prejuízo material e moral, não
inferior a 1.500 salários mínimos, bem como os lucros cessantes.
Em contestação, a ré invocou o direito constitucional à liberdade de crença e
apontou a ausência de vício de consentimento a ensejar a anulação das pretensas
doações, alegando a inexistência de prova das doações.
Em 1º Grau, a sentença negou provimento ao pedido de indenização devido à
ausência de prova quanto às doações e à coação moral sofrida, ônus que caberia
à demandante, condenando a autora a pagar custas e honorários advocatícios
fixados em R$ 1 mil.
No recurso ao Tribunal, a relatora Desembargadora Iris Helena Medeiros
Nogueira, iniciou o exame do caso a partir de duas premissas. A primeira é que
o Estado brasileiro é laico, ou seja, há uma separação entre Estado e Igreja
sob a forma de garantia da inviolabilidade de consciência e de crença. A
segunda é que, não obstante a garantia da inviolabilidade de crença e
consciência, o Estado brasileiro também garante aos seus cidadãos a
inafastabilidade da jurisdição, conforme artigo 5º, inciso XXXV da Constituição
Federal (CF), de onde se conclui que os atos praticados pela igreja
não estão imunes ou isentos do controle jurisdicional.
Diante de questões como a representada nos autos, o grande desafio do Estado,
na figura do Poder Judiciário, é identificar quando condutas individuais,
praticadas no interior dos núcleos religiosos, se transformam em efetiva
violação de outras garantias jurídico-constitucionais, diz a Desembargadora
Iris em seu voto.
No entendimento da relatora, a prova dos autos revelou que a autora estava
passando por grandes dificuldades em sua vida afetiva (separação litigiosa),
profissional (divisão da empresa que construiu junto com seu ex-marido), e
psicológica (foi internada por surto maníaco, e diagnosticada com transtorno
afetivo bipolar).
O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) é uma patologia
psiquiátrica grave que, uma vez diagnosticada, precisa ser tratada pelo resto
da vida.
À vista dos critérios valorativos da coação, ficou claramente demonstrada sua
vulnerabilidade psicológica e emocional, criando um contexto de fragilidade que
favoreceu a cooptação da vontade pelo discurso religioso.
Segundo consta, a autora sofreu coação moral da Igreja que,
mediante atuação de seus prepostos, desafiava os fieis a fazerem doações, fazia
promessa de graças divinas, e ameaçava-lhes de sofrer mal injusto caso não o
fizessem.
Para os integrantes da 9ª Câmara Cível, depoimentos e declarações de Imposto de
Renda demonstram ser incontestável a redução drástica de aproximadamente R$ 292
mil em termos de bens e direitos no patrimônio da autora no período em que ela
frequentou a igreja. No entanto, ela não comprovou que toda a redução
patrimonial observada nas declarações de renda reverteu em benefício da
ré.
No caso dos autos, o ato ilícito praticado pela Igreja materializou-se no abuso
de direito de obter doações, mediante coação moral. Assim agindo, violou os
direitos da dignidade da autora e lhe casou danos morais. Por essa razão, os
integrantes da Câmara reformaram a sentença no sentido de conceder provimento,
em parte, ao recurso da autora, condenando a Igreja ao dano moral. O pedido de
dano material não foi provido.
Acompanharam a relatora os Desembargadores Túlio Martins e Leonel Pires
Ohlweiler.
Para o Desembargador Leonel Ohlweiler, a ré não respeitou a liberdade de crença
da autora, impondo-lhe uma condição de fé quando estava comprovadamente
fragilizada pela doença psiquiátrica.
Na análise do Desembargador Túlio Martins, captar dinheiro não é uma
circunstância particular das igrejas menos afortunadas do ponto de vista da
tradição.
O ponto decisivo, considerou, foi que a capacidade de
compreensão e discernimento da fiel em relação à Igreja era reduzidíssima, pois
estava doente, o que fez com que a sua vontade se tornasse particularmente
vulnerável.
A Igreja ainda poderá recorrer dessa decisão. Procurados
pela reportagem, os representantes da Igreja Universal não quis se manifestar a
respeito.
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