Anedota tropical
No anedotário mundial figuramos como um caso tragicômico que, além de risadas, provoca curiosidades.
Não é à toa que nossos policy makers, economistas e empresários estão entre os mais criativos do mundo, haja vista os desafios constantes impostos pelo ambiente volátil e encalacrado em que vivem.
A piada começa por uma aberração, qual a anedota búlgara mesmo. Estamos, ou estaremos, logo ali na frente, entre as dez economias mais importantes do mundo. Mas, isto se dará pela contabilização de apenas uma variável, o PIB. É claro que o PIB diz muito, pois sua prerrogativa é tratar do volume.
Numa analogia grosseira, que homenageia o Nordeste brasileiro, comparo o PIB a uma plantação de cocos a fim de ilustrar o raciocínio estatístico: Posso ter no meu quintal trezentos coqueiros que me permitem colher milhares de cocos no ano.
Olhando em volta, sou o principal produtor de coco da redondeza. Só que os cocos do meu quintal são ocos, sem água e sem recheio. Meus cocos servem ao artesanato e à construção civil arcaica e rudimentar, porém não alimentam.
Algo parecido acontece quando, no lugar de ficarmos impressionados com a magnitude do PIB – a quantidade de cocos produzidos - partimos para uma abordagem qualitativa das variáveis, ou seja, a qualidade dos cocos e seu valor nutricional.
Estas informações que elucidam a qualidade de uma nação não estão contempladas na verificação do PIB, mas em relatórios que visam apurar seu desenvolvimento socioeconômico e suas condições estruturais.
Informações desta natureza são encontradas no PNUD, no Doing Business do Banco Mundial, nas Olimpíadas internacionais de matemática e ciências, na renda nacional, na educação – ou falta dela; na “in”segurança pública, na pauta de exportação e importação, na ausência de instituições de referência internacional, nos índices de corrupção, no acesso a informação, no apagão digital, na falta de saneamento básico para quase a metade das habitações em nosso país, entre outras vergonhas que traduzem os lares brasileiros da porta para dentro.
Ao enveredarmos por esta análise, reforçamos a constatação já corriqueira de que o Brasil vai bem, enquanto o povo vai muito mal.
Um PIB nas alturas diz bastante coisa, mas não é a solução. Assim como uma economia em crescimento e um presidente popular não podem ser legitimados a custas de instituições, leis e princípios democráticos.
É preciso separar as coisas. Não se pode deixar confundir com o malabarismo de números estonteantes. Não citei o Nordeste ao acaso. Estive lá em julho.
No Ceará o circuito das praias é pujante. Ao retornarmos relatamos aos amigos a beleza incomparável ao mesmo tempo em que nos lembramos do povo que trabalha, mas não tem emprego, da pobreza e falta de educação que reinam numa rua paralela a avenida beira mar, da desinformação e despreparo dos agentes de turismo.
No Maranhão não foi diferente. Só falta instituir o toque de recolher no centro histórico a partir das 18:00 horas. Os prédios estão abandonados, o patrimônio público está jogado às traças. No interior do estado estive com um amigo dentista que trabalha no Programa Saúde da Família.
Lá as meninas engravidam anualmente em busca dos R$ 90,00 do Bolsa Família. Enquanto isto, três flanelinhas cuidam de cada vaga de carro num estacionamento no centro da capital.
O Brasil, por estas e outras, lembra o “novo rico”. Aquele que ganhou dinheiro e se enriqueceu, mas não sabe educar o filho, nunca leu um livro sequer, vive a esbanjar e ostentar o que tem, sem ao menos ser alguém.
Anda por aí comendo de boca aberta e falando de boca cheia. Vive a tilintar desenfreadamente e inconseqüentemente um ruído que se propaga na pretensão de produzir um som inteligível. Suas odes cultuam heróis de barro.
Seu deus é Baal. Com sua moeda pensa poder comprar tudo e a todos. Aqui, a vida não tem valor, a compaixão não existe, o tráfico de influência está institucionalizado e o respeito e a gentileza estão fora de moda.
Mas, se você, por acaso, num gesto sem querer, pisar numa libélula em extinção durante uma despretensiosa caminhada, corre o risco de mofar na cadeia por culpa de um crime inafiançável.
Viva Odorico!!!